O tema do consumo em nossa sociedade ocupa um espaço cada
vez mais central no debate. Uma primeira característica das relações de consumo
é a volatilidade, ou seja, são mutáveis em um curto período de tempo. Alguns
anos atrás não se poderia imaginar que hoje estaríamos comprando sem cédulas de
dinheiro, sem tocar o produto, sem um vendedor ou até mesmo adquirindo produtos
de países do outro lado do mundo. Todas estas mudanças exigem adaptações
legislativas que forneçam uma proteção ao consumidor dentro da celeridade das
relações de consumo no mundo contemporâneo.
Este enfoque é especialmente importante com a pandemia do
COVID-19. Os seus desdobramentos aceleraram a transição das relações consumeristas do ambiente físico para o virtual.
De acordo com um estudo realizado pela Sociedade
Brasileira de Varejo e Consumo 61% dos
consumidores aumentaram suas compras online no período de isolamento[1].
Em virtude disto, conhecer nossos direitos e deveres enquanto consumidores ou
fornecedores torna-se de suma importância neste momento.
O direito do
consumidor tem sua base legal afirmada pela Constituição Federal. Em seu artigo
5º inciso XXXII e art. 170 inciso V torna obrigação do Estado legislar sobre a
defesa do consumidor sendo este um fundamento da ordem econômica no Brasil.
Para tanto, criou-se o código de defesa do consumidor, dispositivo essencial
para viabilizar a proteção do consumidor bem como definir o âmbito de aplicação
destas normas. A fim de esclarecer, em linhas gerais, o conceito de consumidor
e fornecedor os artigos 2º e 3º definem consumidor como a pessoa que adquire ou utiliza o produto ou serviço como destinatário
final e o fornecedor como a pessoa
que desenvolve a atividade de produção ou comercialização de produtos ou
serviços. Posto isso, para se caracterizar uma relação como sendo de
consumo é preciso que estejam presentes essas duas partes, e sendo assim, se
aplicará o código do consumidor.
A legislação consumerista é bastante clara ao reconhecer a vulnerabilidade do consumidor no
mercado de consumo. Este enquadramento se dá pois a relação consumidor-fornecedor é desequilibrada[2]:
o fornecedor é um especialista, um “expert”,
dispõe dos meios técnicos e dos conhecimentos mais específicos relacionados ao
seu produto, enquanto o consumidor está, evidentemente, sujeito a abusos, erros
e confusões. No mesmo sentido, o próprio contrato de consumo é caracterizado
como um contrato de adesão[3],
ou seja, o fornecedor ou alguma autoridade estipula as cláusulas contratuais
não sendo possível negociá-las, apenas aceitá-las ou conformar-se em não
adquirir o produto.
A
pandemia, apesar de reduzir o fluxo de consumidores nas lojas físicas, ampliou
exponencialmente as compras online, inclusive incentivada pelas autoridades, a
fim de reduzir a circulação nas ruas. Este novo modo de comprar tem diversos
benefícios: rapidez na compra, comodidade na escolha, ampla pesquisa de preços,
avaliação de opiniões sobre o produto, recebimento em casa, etc. No entanto,
ele gera problemas, especialmente relacionados a propagandas abusivas, o mito
do crédito fácil, compras compulsivas e, claro, o endividamento. Este último desponta como uma das consequências mais
preocupantes que sobrevirão da pandemia visto que, de acordo com um
levantamento da Confederação Nacional dos Lojistas e do Serviço de Proteção ao
Crédito 62 milhões de brasileiros estavam
inadimplentes antes da COVID-19
começar a ser registrada o Brasil[4]
(quase 1/3 da população brasileira!).
Com
isso, fica evidente que o tema do consumo é de extrema importância e precisa
ser melhor discutido, inclusive por meio de políticas educacionais do
consumidor e da inserção da educação financeira no currículo escolar. A curto
prazo, restam renegociações entre os
devedores e seus credores a fim de não colapsar o mercado. Para estas existem
instrumentos mais adequados de resoluções de conflito no direito como é o caso da
mediação e da conciliação, evitando
desgastes excessivos no judiciário. Não menos importante é o reestabelecimento
da confiança entre consumidor (receia
se endividar neste momento de crise) e fornecedor (teme um inadimplemento em
massa de seus consumidores), permitindo que se siga com segurança e equilíbrio
diante das novas relações de consumo que se apresentam.
Um abraço a todos. Até a
próxima!
[1]
Sociedade brasileira de varejo e consumo. Estudo
novos hábitos digitais em tempos de COVID-19. Disponível em: http://sbvc.com.br/novos-habitos-digitais-em-tempos-de-covid-19/.
Acesso em: 15/06/2020.
[2]
Art. 4º inciso I do Código de Defesa do Consumidor.
[3]
Art. 54 do Código de Defesa do Consumidor.
[4]
VEJA. 62 milhões de brasileiros estão
inadimplentes. Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/62-milhoes-de-brasileiros-estao-inadimplentes-diz-spc/.
Publicado em: 12/02/2020. Acesso em: 15/06/2020.