A
relação entre a Igreja e o Estado já foi muito mais próxima. Podemos dizer que
historicamente, não só no Brasil como também no mundo, a religião esteve muito
mais presente no cenário político, inclusive tomando as rédeas de muitas
decisões. Contudo, esta relação foi enfraquecendo com o passar do tempo, e a Igreja, de forma geral, passou a ter um papel
mais social e “menos político”. Esse entendimento foi sedimentado pelo Brasil a
partir de 1890 (decreto nº 119-A[1]), materializando o termo “Estado laico”, sendo garantia de nossa
Constituição o exercício de cultos religiosos, bem como o direito à liberdade
de consciência e crença[2].
O
tema ganha novos ares quando, em um curto espaço de tempo, transcorre a
respectiva aproximação e, depois, uma rejeição explícita ao Governo Federal por
parte de alguns membros da instituição religiosa com o maior número de fiéis no
país, a Igreja Católica. Primeiro, em junho de deste ano, ocorreu um movimento de apoio ao governo nacional,
advindo de grupos televisivos e de rádios
de inspiração católica[3], o que evidentemente causa
desconforto a um fiel que não apoia o Presidente da República. Logo após, em julho, um grupo
de bispos assinou carta com teor crítico explícito ao Governo Nacional[4]. Em meio a essa turbulência, a CNBB (Conferência Nacional dos
Bispos do Brasil), esclareceu “que o documento nada tem a ver com a conferência, é de responsabilidade
dos signatários"[5]. Em outras palavras, a
nota esclarece que os bispos agiram enquanto cidadãos, e não enquanto
representantes da Igreja Católica.
No
entanto, é visível que em casos envolvendo líderes religiosos é mais difícil definir
tal separação, justo pela constante relação destes junto à sua comunidade de
fiéis. Nesse sentido, é preciso ter presente que, ainda que manifestações
políticas sejam inerentes a qualquer cidadão, elas, por
vezes, carregam
consigo determinada posição ocupada na sociedade, e é justamente esta posição
que torna polêmica a manifestação partidária dos bispos, da mesma maneira que
não seria razoável esperar do Presidente da República, representante de todos,
manifestações que denegrissem qualquer grupo ou crença.
Em
meio à polarização política que se apresenta mesmo durante a crise sanitária,
um posicionamento mal colocado, mesmo com o intuito de apaziguar, pode
desencadear uma certa hostilidade nas pessoas, o que agrava ainda mais a crise.
Nosso
país apresenta uma pluralidade de culturas e aqui inclui-se a prática
religiosa, a qual é um traço marcante e comum no
dia a dia das pessoas. Muitos de nós simpatizamos a determinado credo, sendo
possível definir uma instituição religiosa como sendo o conjunto de pessoas que possuem a mesma crença manifestada a partir da
prática de rituais próprios[6], característicos de uma
doutrina voltada ao culto de um ou vários ser(es) superior(es). Percebe-se,
assim, que a pauta comum que identifica uma instituição de cunho religioso é o
culto seguindo ritos próprios a um ser superior.
Cabe
dizer que a separação entre o Estado e a Igreja não exclui o Governo (Federal, Estadual
e/ou Municipal) de estabelecer parcerias e programas junto de qualquer
instituição religiosa, desde que os faça no
intuito de colaborar com o interesse público[7]. De fato, esse
comportamento é muito frequente nos diferentes locais do Brasil, sobretudo
devido a relevante influência das instituições religiosas em questões sociais,
normalmente voltadas àquelas pessoas mais vulneráveis. Nesse sentido, é visível
que a Igreja, enquanto organização de
grande abrangência, exerce atividades políticas, especialmente, políticas
públicas voltadas a melhoria de condições de vida, desenvolvimento espiritual e
acolhimento de grupos e pessoas. Veja: ainda
que as políticas públicas sejam majoritariamente dever do Estado, podendo ser
entendidas como atividades políticas em si, a Igreja as exerce, entretanto,
pratica-as não no lugar do Estado e sim em colaboração ao mesmo, o que reforça
a sua função social na comunidade.
Metaforicamente,
a relação Igreja-Estado seria semelhante a de dois riachos que traçam seu curso
separados por uma cordilheira. Nada impede que, eventualmente, esses riachos
venham a se encontrar, sempre no entorno de pautas comuns. Finalmente, uma
frase Bíblica dita em uma época muito diferente da nossa, onde se quer havia
democracia, ainda se mostra contemporânea: “Dai, pois, a César o que é de César
e a Deus o que é de Deus”[8].
Um
abraço a todos e até a próxima!
Escrito em parceria com o colega e amigo Gustavo
Lorenset Benedetti.
[1]
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24ªed. Pg. 1216.
2020.
[2] Art. 5º, VI da Constituição da República Federativa
do Brasil.
[3] https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/06/13/interna_politica,863482/cnbb-evita-ruptura-apos-ala-catolica-oferecer-apoio-a-bolsonaro.shtml
[4] Correio Braziliense. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/26/interna_politica,875673/grupo-com-152-bispos-da-igreja-catolica-assina-carta-critica-ao-govern.shtml.
Data da publicação: 26/07/2020. Acesso em: 28/07/2020.
[5] G1.GLOBO. Bispos da CNBB assinam carta contra governo Bolsonaro:
'Desprezo pela educação, cultura e saúde nos estarrece'. Disponível
em:
<https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/07/27/bispos-da-cnbb-assinam-carta-contra-governo-bolsonaro-desprezo-pela-educacao-cultura-e-saude-nos-estarrece.ghtml>.
Data da publicação: 27/07/2020. Acesso em 29/07/2020.
[6] Dicionário Aurélio.
[7] De acordo com os parâmetros fixados pelo Art. 19º, I da Constituição da República Federativa do Brasil.
[8] Mateus, Capítulo 22, versículo 21. Bíblia Sagrada.