quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A discutida reeleição dos Presidentes da Câmara e do Senado: a importância do respeito ao texto legal.

 


    Um tema muito polêmico levantado nos últimos dias refere-se a possibilidade de recondução ou reeleição dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para um novo mandato. Levada ao STF, essa discussão teve fim no último dia 06/12[1] onde, pela maioria de 6 votos a 5, entendeu-se pela impossibilidade de recondução dos atuais Presidentes no cargo, em observância ao disposto no art. 57, § 4º da Constituição Federal, declarando a reeleição inconstitucional.

            De início, cumpre destacar o texto constitucional em debate:

Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro.  

(...)

§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.

            De fato, da leitura do texto legal parece-nos difícil entender como seria possível uma interpretação que permitisse a reeleição para os respectivos cargos, vez que o texto é expresso e claro – é vedada a recondução (reeleição). Nesse ponto, importa frisar que sim, é função principal do STF a interpretação do texto constitucional, atribuindo sentido para aquilo que for obscuro ou definindo a abrangência de determinado dispositivo; inegável, portanto, a importância da interpretação de toda e qualquer lei em nosso sistema jurídico.

            Existe uma razão básica para, no Brasil e nos demais países que adotam o nosso sistema, haverem textos legais previamente fixados: a segurança jurídica. Com efeito, é necessário que possamos prever as consequências de nossos atos em todas as esferas: no Penal, nos tributos, nos contratos, no previdenciário, etc., isso porque, para que a sociedade funcione, pessoas e instituições não podem ficar à mercê de uma decisão posterior do judiciário, da qual só saberão futuramente o conteúdo. Afinal, não poderíamos imaginar uma sociedade na qual não saberíamos se nossos atos levam ou não à prisão, sem saber quando e como podemos nos casar ou se a compra de nossa casa ou carro é válida.

            Nesse sentido, o direito como um todo necessita, em síntese, ser estável, previsível, seguro e confiável, pois sua finalidade é guiar a sociedade dentro daquilo que ela mesma entendeu como sendo o correto.

            Tudo isso nos devolve à discussão inicial em que todo o texto legal necessita uma interpretação, e esta é de competência do judiciário. Existem diversas maneiras de interpretar um texto: restringindo ou ampliando seu sentido, atribuindo o seu contexto histórico, identificando a finalidade do legislador ao criar a lei, entre outros. Contudo, a atividade do judiciário sempre será limitada ao texto da lei, sob pena de este Poder invadir a esfera do Legislativo e atuar como legislador ativo, o que é absolutamente vedado em nosso sistema jurídico.

            Nessa senda, parece-nos claro que fere a segurança jurídica, tão fundamental para o direito, extrair de um texto onde consta: “é vedada a recondução (reeleição)”, uma interpretação nesse sentido: “é permitida a recondução”. Se permitirmos tal ato, entraremos em um terreno perigoso e que pode vir a ser muito prejudicial ao direito e à sociedade como um todo.

            Por fim, ainda que seria importante aprofundar no tema da interpretação legal e na argumentação utilizada pelos ministros na decisão mencionada, isto acaba sendo um tema para outro momento. O que busquei enfatizar aqui foi ressaltar um lado, o do respeito ao texto legal puro e, especialmente, as razões em virtude das quais devemos observá-lo.

Um abraço a todos e até a próxima! 

Igor Marcelo Blume

15/12/2020



[1] CONJUR. STF confirma que recondução na Câmara e no Senado é inconstitucional. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-dez-07/stf-decide-reeleicao-camara-senado-inconstitucional>. Acesso em: 14/12/2020. [online].

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O que é justiça afinal?

 


Nesta semana no dia 08/12 comemora-se mais um “Dia da Justiça” no Brasil, em homenagem ao Poder Judiciário, responsável por promover a justiça em nosso país. Aproveitando esta data, esse texto objetiva proporcionar uma reflexão sobre o significado de justiça, mais especificamente, o que entendemos por justiça no senso comum, desconstruindo algumas dessas ideias e finalizar com a importância da justiça na sociedade brasileira.

Quando se fala em justiça, logo pensamos no “justo” em seu sentido ético ou moral, consubstanciado em frases como: “dar a cada um o que é seu” ou “tratar os demais como gostaria de ser tratado”. Outra relação que fazemos ao mencionar a palavra “justiça” é com o próprio direito, pois este seria o responsável por promover a justiça em nossa sociedade, de modo que, o “justo”, no direito, basicamente resume-se a “condenar os culpados e inocentar os inocentes” ou “dar razão àquele que está certo”.

Mas afinal, é a justiça a finalidade do direito? Ainda que possa parecer controverso, a justiça não o fim primordial do direito. A finalidade essencial do direito é manter a ordem; o próprio conceito de direito enquanto “ordem normativa institucional[1] nos leva a essa conclusão. As origens do direito, especialmente do direito escrito, revelam que ele foi criado com o objetivo de manter a ordem social, evitar revoltas, garantir a segurança dos cidadãos e manter o povo obediente ao Estado.

São exemplos de povos de onde se originou nosso direito escrito: Roma, Grécia e Egito. Ocorre que, desde esses sistemas podemos visualizar um pouco da nossa ideia atual de justiça no senso comum, vejamos. No antigo Egito, por exemplo, havia o conhecido Código de Hamurabi, que continha a lei do talião, resumida pelo preceito: “olho por olho, dente por dente”[2]. Esta lei já indicava-nos que a justiça está sim presente lateralmente no direito, ou seja, direito e justiça por vezes andam lado a lado.

Contudo, a justiça não é e nunca foi a finalidade única e principal do direito, isso porque, toda a lei, desde os primórdios, buscava evitar conflitos, roubos, mortes, saques, lesões e mentiras, ainda que houvesse um norma escrita nesse sentido: “se matar alguém, será morto”, a finalidade desta regra sempre foi prevenir o assassinato, manter a ordem, definir que, naquela sociedade ninguém poderá matar ninguém, apenas o Estado, respaldado pelo direito. Veja: a justiça, para o direito, está mais relacionada a resposta do Estado (inclusive por meio de uma coação) para a população daquilo que se considera “justo” para que, ao fim e ao cabo, seja mantida a ordem e a confiança no direito do Estado.

A justiça, assim, mostra-se como um conceito bastante abstrato que, para o direito, envolve identificar o que se considera justo naquela sociedade para então formular leis neste ou naquele sentido, que só depois serão aplicadas pelos operadores do direito, fazendo “justiça”. Dessa forma, não há propriamente um conceito uno de justiça, pois esta definição passa por diversas teorias éticas e morais que tentam conceituá-la. Sendo assim, não se pode tratar o direito como sinônimo de justiça; eles podem ou não estar interligados, dependendo do que entendermos por justiça, conforme já exposto.

Por fim, para a reflexão que aqui pretende-se, não há espaço para maiores discussões no campo da filosofia, da ética e da moral sobre o conceito de justiça, tão controverso, mas que ao mesmo tempo não deixa de ter sua importância. Como último comentário lembro que devemos perseguir a justiça no sentido de possibilitar iguais oportunidades e amenizar as disparidades sociais tão latentes em nosso país, afinal, nada melhor para celebrar a justiça do que buscar realizar alguma parte de tudo o que ela significa.

 

Igor Marcelo Blume

08/12/2020



[1] MACCORMICK, Neil. Instituciones del derecho. Editora: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales. Madrid – Espanha. 2011.

[2] LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história. Editora: Atlas. São Paulo. 3ª ed. 2011. p. 15.

quinta-feira, 30 de julho de 2020

Por que religião e política partidária não devem se misturar

A importante separação entre Igreja e Estado

A relação entre a Igreja e o Estado já foi muito mais próxima. Podemos dizer que historicamente, não só no Brasil como também no mundo, a religião esteve muito mais presente no cenário político, inclusive tomando as rédeas de muitas decisões. Contudo, esta relação foi enfraquecendo com o passar do tempo, e a Igreja, de forma geral, passou a ter um papel mais social e “menos político”. Esse entendimento foi sedimentado pelo Brasil a partir de 1890 (decreto nº 119-A[1]), materializando o termo “Estado laico”, sendo garantia de nossa Constituição o exercício de cultos religiosos, bem como o direito à liberdade de consciência e crença[2].

O tema ganha novos ares quando, em um curto espaço de tempo, transcorre a respectiva aproximação e, depois, uma rejeição explícita ao Governo Federal por parte de alguns membros da instituição religiosa com o maior número de fiéis no país, a Igreja Católica. Primeiro, em junho de deste ano, ocorreu um movimento de apoio ao governo nacional, advindo de grupos televisivos e de rádios de inspiração católica[3], o que evidentemente causa desconforto a um fiel que não apoia o Presidente da República. Logo após, em julho, um grupo de bispos assinou carta com teor crítico explícito ao Governo Nacional[4]. Em meio a essa turbulência, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), esclareceu “que o documento nada tem a ver com a conferência, é de responsabilidade dos signatários"[5]. Em outras palavras, a nota esclarece que os bispos agiram enquanto cidadãos, e não enquanto representantes da Igreja Católica.

No entanto, é visível que em casos envolvendo líderes religiosos é mais difícil definir tal separação, justo pela constante relação destes junto à sua comunidade de fiéis. Nesse sentido, é preciso ter presente que, ainda que manifestações políticas sejam inerentes a qualquer cidadão, elas, por vezes, carregam consigo determinada posição ocupada na sociedade, e é justamente esta posição que torna polêmica a manifestação partidária dos bispos, da mesma maneira que não seria razoável esperar do Presidente da República, representante de todos, manifestações que denegrissem qualquer grupo ou crença.

Em meio à polarização política que se apresenta mesmo durante a crise sanitária, um posicionamento mal colocado, mesmo com o intuito de apaziguar, pode desencadear uma certa hostilidade nas pessoas, o que agrava ainda mais a crise.

Nosso país apresenta uma pluralidade de culturas e aqui inclui-se a prática religiosa, a qual é um traço marcante e comum no dia a dia das pessoas. Muitos de nós simpatizamos a determinado credo, sendo possível definir uma instituição religiosa como sendo o conjunto de pessoas que possuem a mesma crença manifestada a partir da prática de rituais próprios[6], característicos de uma doutrina voltada ao culto de um ou vários ser(es) superior(es). Percebe-se, assim, que a pauta comum que identifica uma instituição de cunho religioso é o culto seguindo ritos próprios a um ser superior.

Cabe dizer que a separação entre o Estado e a Igreja não exclui o Governo (Federal, Estadual e/ou Municipal) de estabelecer parcerias e programas junto de qualquer instituição religiosa, desde que os faça no intuito de colaborar com o interesse público[7]. De fato, esse comportamento é muito frequente nos diferentes locais do Brasil, sobretudo devido a relevante influência das instituições religiosas em questões sociais, normalmente voltadas àquelas pessoas mais vulneráveis. Nesse sentido, é visível que a Igreja, enquanto organização de grande abrangência, exerce atividades políticas, especialmente, políticas públicas voltadas a melhoria de condições de vida, desenvolvimento espiritual e acolhimento de grupos e pessoas. Veja: ainda que as políticas públicas sejam majoritariamente dever do Estado, podendo ser entendidas como atividades políticas em si, a Igreja as exerce, entretanto, pratica-as não no lugar do Estado e sim em colaboração ao mesmo, o que reforça a sua função social na comunidade.

Metaforicamente, a relação Igreja-Estado seria semelhante a de dois riachos que traçam seu curso separados por uma cordilheira. Nada impede que, eventualmente, esses riachos venham a se encontrar, sempre no entorno de pautas comuns. Finalmente, uma frase Bíblica dita em uma época muito diferente da nossa, onde se quer havia democracia, ainda se mostra contemporânea: “Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”[8].

Um abraço a todos e até a próxima!

Escrito em parceria com o colega e amigo Gustavo Lorenset Benedetti.



[1] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 24ªed. Pg. 1216. 2020.

[2] Art. 5º, VI da Constituição da República Federativa do Brasil.

[3] https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/06/13/interna_politica,863482/cnbb-evita-ruptura-apos-ala-catolica-oferecer-apoio-a-bolsonaro.shtml

[4] Correio Braziliense. Disponível em: https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2020/07/26/interna_politica,875673/grupo-com-152-bispos-da-igreja-catolica-assina-carta-critica-ao-govern.shtml. Data da publicação: 26/07/2020. Acesso em: 28/07/2020.

[5] G1.GLOBO. Bispos da CNBB assinam carta contra governo Bolsonaro: 'Desprezo pela educação, cultura e saúde nos estarrece'. Disponível em: <https://g1.globo.com/df/distrito-federal/noticia/2020/07/27/bispos-da-cnbb-assinam-carta-contra-governo-bolsonaro-desprezo-pela-educacao-cultura-e-saude-nos-estarrece.ghtml>. Data da publicação: 27/07/2020. Acesso em 29/07/2020.

[6] Dicionário Aurélio.

[7] De acordo com os parâmetros fixados pelo Art. 19º, I da Constituição da República Federativa do Brasil.

[8] Mateus, Capítulo 22, versículo 21. Bíblia Sagrada.



quinta-feira, 23 de julho de 2020

O Governo na pandemia: o que poderia ser diferente?

Vivemos hoje em um país polarizado. A disputa política entre diferentes ideologias marcou época ao longo de toda a história brasileira e, com isso, fica evidente o que sempre guiou a governança nacional: a busca pelo poder. Acontece que a pandemia do COVID-19 inflou esse conflito. O momento delicado pelo qual passamos exige a tomada de decisões rápidas e corretas na medida em que as consequências dessas escolhas podem comprometer a recuperação futura. Contudo, também é evidente que o exercício do poder em situações excepcionais como esta é, de toda a maneira, custoso justamente pelas responsabilidades que ele carrega. Afinal, o que poderíamos fazer diferente?

Em primeiro lugar, cabe desconstruir um pré-conceito de que toda a “disputa” e “polarização” política é prejudicial para o país. Nesse sentido, é preciso ter presente que o embate político (ainda que muitas vezes desleal e banalizado) é o cerne da democracia, uma vez que é justamente este debate que possibilita a tomada de decisões mais coerentes, justas e fundamentadas. Ainda de acordo com nossa Constituição Federal: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença[1]. Portanto, o confronto de ideias é necessário, mesmo que signifique colocar em xeque nossas compreensões e entendimentos em prol de um bem maior.

Dito isso, para entendermos o que o governo (refiro-me as esferas federais, estaduais e municipais) poderia ter feito diferente em meio à pandemia do COVID-19, precisamos antes discutir como definir qual a decisão mais correta. Desta forma, uma maneira de buscar soluções é voltar os olhos para países que tiveram resultados, contudo surgem as perguntas: o melhor resultado seria o baixo índice de óbitos? Casos? Ou devemos buscar naqueles que sofreram um menor impacto na economia? Combinar os dois resultados? É possível?

Todas estas questões não possuem uma resposta totalmente correta. Busco aqui instigar todos a pensarem sobre os temas e, como já salientei, debater dentro de seu círculo a fim de tentar construir uma resposta, afinal este deve ser nosso papel enquanto cidadãos. De toda a forma, nos parece que o ideal seria combinar bons resultados tanto no reduzido número de óbitos como no mínimo impacto econômico. Entretanto, a linha é tênue, isso porque reduzir o número de óbitos passa também por fechar estabelecimentos, diminuir a produção industrial e reduzir o consumo pela baixa circulação de pessoas. Da mesma maneira, reduzir os efeitos econômicos negativos significa reabrir comércios, processos industriais, etc., ou seja, é de todo jeito difícil definir até que ponto é possível conciliar ambos os resultados.

De acordo com estudos da “Our world in data” desenvolvido por pesquisadores da universidade de Oxford[2], que analisa, entre outros temas, as respostas políticas a pandemia do COVID-19, definindo uma escala acerca do rigor implementado nas políticas públicas em diversos países no mundo. Os dados encontram-se disponíveis no link ao final do texto (vale a pena conferir, os mapas são didáticos e de fácil compreensão) e avaliam diversos segmentos que sofreram restrições governamentais: escolas, locais de trabalho, eventos públicos, campanhas, viagens, transportes, testagem, monitoramento dos casos, etc. e apontaram que o Brasil, em regra, manteve um rigor elevado nas medidas governamentais de combate ao COVID-19 em relação aos demais países, no entanto, a pesquisa indicou uma menor eficácia quanto à política de testagem no Brasil e, especialmente, quanto ao monitoramento dos casos confirmados deixamos a desejar. Vale ressaltar ainda que, de acordo com a pesquisa, o Brasil é o 11º em número proporcional de mortes e 20º no número de casos em relação aos habitantes[3], Bélgica e Reino Unido lideram o ranking de óbitos por milhão de habitantes[4].

Enfim, o que busquei não foi apontar erros e acertos dos governantes, muito menos sugerir que a situação poderia ser diferente se outras pessoas estivessem nos cargos de chefia, mas tentar suscitar questionamentos que, muitas vezes, não fazemos. Portanto, melhor compreender de que forma são tomadas as decisões governamentais, criticá-las ou apoiá-las é de suma importância para a democracia e, especialmente, para reforçar nosso papel enquanto cidadãos.

Agradeço o apoio de todos, até a próxima!



[1] Art. 5º inciso IX.

[2] Disponível em: https://ourworldindata.org/policy-responses-covid. “Respostas políticas à pandemia do COVID-19”. Os dados são atualizados diariamente. Acesso em: 22/07/2020.

[3] Disponível em: https://ourworldindata.org/covid-deaths?country=~BRA. Acesso em: 22/07/2020.


quinta-feira, 16 de julho de 2020

A pandemia do COVID-19 realmente gerou óbitos acima do esperado no Brasil?

As Ciências Sociais e a Saúde Coletiva frente a atual epidemia de ...

O ano de 2020 não poderia ser mais atípico. A retrospectiva dos últimos 6 meses que se passaram, arrisco dizer, nunca foi experimentada. Nesse sentido, dentre todas as adversidades, a que mais preocupa e que tem os efeitos mais trágicos sobre todos nós são as mortes registradas. Com isso, fica a pergunta: até que ponto a pandemia do COVID-19 influenciou no número de mortos no Brasil em relação aos últimos anos? Já eram esperados números alarmantes como aqueles noticiados diariamente? Procuro aqui não fazer um juízo de valor sobre este tema, especialmente por ser um dos assuntos mais delicados. O que se busca, enfim, com esta breve exposição, é trazer alguns dados e análises acerca dos óbitos registrados no Brasil e sua relação com a pandemia do COVID-19.

Desta forma, disponibilizo duas tabelas que demonstram a relação de óbitos dos últimos 3 anos como também os óbitos registrados por suspeita ou confirmação de COVID-19:

Dados referentes ao número de óbitos no Brasil de acordo com o Portal da transparência – registro civil[1]:

Mês

2018

2019

2020

Janeiro

97.361

106.422

108.076

Fevereiro

83.544

90.125

90.937

Março

93.567

95.179

103.675

Abril

96.361

103.144

111.815

Maio

102.233

110.332

127.650

Junho

104.661

102.942

124.556

Julho

109.118

118.882

35.070[2]

TOTAL ANO

1.166.146

1.233.479

701.779[3]


A partir desses dados nota-se uma tendência clara de aumento do número de mortes mensais no Brasil em 2020 em comparação com os mesmos períodos de 2018 e de 2019. Nos meses de Janeiro e Fevereiro percebemos que a discrepância nos número não é tão alta, contudo, a partir do mês de março esta diferença começa a se acentuar chegando a variação de cerca de 17.000 mortes em maio e 22.000 em junho entre 2019 e 2020.

Dados referentes ao número de óbitos por suspeita ou confirmação do COVID-19 no Brasil:

Mês

Óbitos

Março[4]

702

Abril

9.909

Maio

27.198

Junho

23.922

Julho[5]

5.353

TOTAL

67.545[6]


Partindo para a análise dos números de casos suspeitos ou confirmados de COVID-19, percebe-se que começaram a ser registrados em março, justamente o mês em que as diferenças no número de óbitos dos últimos anos para 2020 começaram a se acentuar. Um dado interessante aponta para o mês de junho em que a diferença do número de óbitos entre 2019 e 2020 foi de 22.000 e o número de óbitos registrados como sendo de COVID-19 foi muito próximo: 23.922. Nesse sentido, Tal evidência demonstra que a amostra de óbitos registrados nos últimos anos e as mortes catalogadas como COVID-19 parecem possuir uma relação visto que, conforme a pandemia chegava em seu ponto mais crítico, a diferença no número de óbitos entre os últimos anos e 2020 foi sendo intensificada.

Com efeito, como já salientado, não procuro fazer qualquer juízo de valor sobre esse tema, tentando ficar restrito aos dados, isto porque existem diversas variáveis que influenciam no número de óbitos e em seus registros como, por exemplo: número de acidentes de trânsito, enfermidades diversas e sua incidência, criminalidade, etc. Estes tantos fatores impactam constantemente nas mortes e atingem o território brasileiro de forma distinta, tanto é fato que existem doenças diferentes em regiões diferentes bem como a criminalidade atinge desigualmente o território brasileiro. Nesta seara, apenas busquei enfatizar que a pandemia do COVID-19 teve uma influência no número de óbitos que não pode ser descartada e, especialmente, considerada.

Um abraço a todos e até a próxima!

 

 

 



[1] Portal da transparência. Acesso em: 13/07/2020. Disponível em: https://transparencia.registrocivil.org.br/registros.

[2] Até 13/07/2020.

[3] Até 13/07/2020.

[4] Dados começaram a ser contabilizados a partir do dia 16/03/2020 quando foi registrado o primeiro óbito por COVID-19 no Brasil

[5] Até 13/07/2020.

[6] Até 13/07/2020.


quarta-feira, 8 de julho de 2020

O federalismo: entenda mais sobre a estrutura e organização do Estado brasileiro.

O Estado brasileiro, ao longo de sua história, passou por inúmeras formas de Estado. A partir do século XVI, onde iniciou-se o período colonial no Brasil, a estrutura de organização – colônia de exploração – governada por Portugal, já nos dava indícios dos inúmeros conflitos de poder que viriam a assolar o Brasil. Atualmente, convivemos com resquícios dessa conturbada história e, como não poderia ser diferente, ainda existem controvérsias e disputas sobre a forma mais adequada (de acordo com determinados interesses) de governar nosso país.

Nesse sentido, feita uma abordagem crítica acerca da historicidade do que entendemos por organização do Estado no Brasil, é preciso enquadrar esses conceitos em nossa ordem constitucional. A Carta Magna, preceitua de pronto em seu artigo 1º que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios. De igual maneira em seu artigo 18 coloca: “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. Resta claro que o constituinte optou por definir a forma de Estado brasileira como sendo o federalismo[1].

Para a abordagem sucinta que aqui se pretende, cabe apenas alguns conceitos básicos sobre o federalismo. Nesse sentido, dentro de uma federação os estados-membros não são soberanos, ou seja, não podem entrar e sair quando quiserem, eles perdem esta soberania no momento em que constituem essa aliança com os demais membros. Ainda que não sejam soberanos, os entes federativos preservam sua autonomia política, mesmo que limitada, isto é materializado pela capacidade de auto-organização que compreende 3 esferas: normatização própria, auto governo e auto administração[2].

Em síntese, a União, os estados e os municípios podem: criar suas próprias normas, eleger seus próprios governantes e decidir como administrar a si mesmos; ou seja, o pressuposto da federação é a descentralização política. Nesta seara, existem limites dentro dos quais cada ente federativo poderá atuar e exercer sua autonomia: em regra, o princípio que norteia essas ações é o da predominância de interesses: a União tem o interesse geral e cabe a ela, por exemplo, legislar sobre Direito Penal; os Estados, por sua vez, compactuam com o interesse regional e podem, cada um, definir sua alíquota do ICMS e, por fim, os municípios detém o interesse local e decidem como melhor distribuir os recursos repassados de acordo com suas necessidades[3].

A federação é um modelo de organização do Estado que possibilita, essencialmente, governar grandes extensões territoriais, como o Brasil, de forma a preservar uma parcela da autonomia política de suas regiões (estados-membros) que, em um Estado centralizado, seria de difícil gerência. Ainda que a Constituição tenha se debruçado sobre o tema, existem problemas organizacionais latentes, um dos principais é a discussão sobre quais os limites da autonomia dos estados, em outras palavras, até que ponto pode a União interferir nas decisões dos demais entes. Nesse sentido, existem correntes que requerem uma independência cada vez maior para os estados e outras que preferem um governo mais unitário, a Constituição, em alguma medida, propicia essa margem tênue para ora pender para o lado centralista ora para a descentralização.

Por fim, cabe a reflexão sobre a distribuição dos recursos entre os estados, um ponto bastante problemático diante da realidade brasileira. De um lado estados-membros que mais geram riquezas, e por consequência, mais arrecadam impostos exigem uma distribuição mais proporcional a sua arrecadação, por outro lado as disparidades regionais muito presentes no Brasil, tornam algumas regiões mais vulneráveis e, desta forma, necessitam de recursos advindos do governo central para se desenvolver. Em suma, o modelo federativo de organização do Estado, ainda que proporcione alguma autonomia aos entes também é fruto de uma colaboração entre os mesmos tendo como fim o crescimento do país como um todo e, sobretudo, encontrar o meio termo em nossa forma de governar passa certamente por conciliar a autonomia com a cooperação.

Um abraço a todos os leitores. Até a próxima.



[1] Entendido por Dalmo de Abreu Dallari como a aliança ou união de Estados.

[2] Pg. 288. Direito Constitucional. Alexandre de Moraes. 28ª edição. Editora Atlas. 2012.

[3] Devem observar alguns limites como por exemplo um mínimo de 15% para os serviços públicos de saúde.