quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

A discutida reeleição dos Presidentes da Câmara e do Senado: a importância do respeito ao texto legal.

 


    Um tema muito polêmico levantado nos últimos dias refere-se a possibilidade de recondução ou reeleição dos Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para um novo mandato. Levada ao STF, essa discussão teve fim no último dia 06/12[1] onde, pela maioria de 6 votos a 5, entendeu-se pela impossibilidade de recondução dos atuais Presidentes no cargo, em observância ao disposto no art. 57, § 4º da Constituição Federal, declarando a reeleição inconstitucional.

            De início, cumpre destacar o texto constitucional em debate:

Art. 57. O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 2 de fevereiro a 17 de julho e de 1º de agosto a 22 de dezembro.  

(...)

§ 4º Cada uma das Casas reunir-se-á em sessões preparatórias, a partir de 1º de fevereiro, no primeiro ano da legislatura, para a posse de seus membros e eleição das respectivas Mesas, para mandato de 2 (dois) anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subsequente.

            De fato, da leitura do texto legal parece-nos difícil entender como seria possível uma interpretação que permitisse a reeleição para os respectivos cargos, vez que o texto é expresso e claro – é vedada a recondução (reeleição). Nesse ponto, importa frisar que sim, é função principal do STF a interpretação do texto constitucional, atribuindo sentido para aquilo que for obscuro ou definindo a abrangência de determinado dispositivo; inegável, portanto, a importância da interpretação de toda e qualquer lei em nosso sistema jurídico.

            Existe uma razão básica para, no Brasil e nos demais países que adotam o nosso sistema, haverem textos legais previamente fixados: a segurança jurídica. Com efeito, é necessário que possamos prever as consequências de nossos atos em todas as esferas: no Penal, nos tributos, nos contratos, no previdenciário, etc., isso porque, para que a sociedade funcione, pessoas e instituições não podem ficar à mercê de uma decisão posterior do judiciário, da qual só saberão futuramente o conteúdo. Afinal, não poderíamos imaginar uma sociedade na qual não saberíamos se nossos atos levam ou não à prisão, sem saber quando e como podemos nos casar ou se a compra de nossa casa ou carro é válida.

            Nesse sentido, o direito como um todo necessita, em síntese, ser estável, previsível, seguro e confiável, pois sua finalidade é guiar a sociedade dentro daquilo que ela mesma entendeu como sendo o correto.

            Tudo isso nos devolve à discussão inicial em que todo o texto legal necessita uma interpretação, e esta é de competência do judiciário. Existem diversas maneiras de interpretar um texto: restringindo ou ampliando seu sentido, atribuindo o seu contexto histórico, identificando a finalidade do legislador ao criar a lei, entre outros. Contudo, a atividade do judiciário sempre será limitada ao texto da lei, sob pena de este Poder invadir a esfera do Legislativo e atuar como legislador ativo, o que é absolutamente vedado em nosso sistema jurídico.

            Nessa senda, parece-nos claro que fere a segurança jurídica, tão fundamental para o direito, extrair de um texto onde consta: “é vedada a recondução (reeleição)”, uma interpretação nesse sentido: “é permitida a recondução”. Se permitirmos tal ato, entraremos em um terreno perigoso e que pode vir a ser muito prejudicial ao direito e à sociedade como um todo.

            Por fim, ainda que seria importante aprofundar no tema da interpretação legal e na argumentação utilizada pelos ministros na decisão mencionada, isto acaba sendo um tema para outro momento. O que busquei enfatizar aqui foi ressaltar um lado, o do respeito ao texto legal puro e, especialmente, as razões em virtude das quais devemos observá-lo.

Um abraço a todos e até a próxima! 

Igor Marcelo Blume

15/12/2020



[1] CONJUR. STF confirma que recondução na Câmara e no Senado é inconstitucional. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2020-dez-07/stf-decide-reeleicao-camara-senado-inconstitucional>. Acesso em: 14/12/2020. [online].

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O que é justiça afinal?

 


Nesta semana no dia 08/12 comemora-se mais um “Dia da Justiça” no Brasil, em homenagem ao Poder Judiciário, responsável por promover a justiça em nosso país. Aproveitando esta data, esse texto objetiva proporcionar uma reflexão sobre o significado de justiça, mais especificamente, o que entendemos por justiça no senso comum, desconstruindo algumas dessas ideias e finalizar com a importância da justiça na sociedade brasileira.

Quando se fala em justiça, logo pensamos no “justo” em seu sentido ético ou moral, consubstanciado em frases como: “dar a cada um o que é seu” ou “tratar os demais como gostaria de ser tratado”. Outra relação que fazemos ao mencionar a palavra “justiça” é com o próprio direito, pois este seria o responsável por promover a justiça em nossa sociedade, de modo que, o “justo”, no direito, basicamente resume-se a “condenar os culpados e inocentar os inocentes” ou “dar razão àquele que está certo”.

Mas afinal, é a justiça a finalidade do direito? Ainda que possa parecer controverso, a justiça não o fim primordial do direito. A finalidade essencial do direito é manter a ordem; o próprio conceito de direito enquanto “ordem normativa institucional[1] nos leva a essa conclusão. As origens do direito, especialmente do direito escrito, revelam que ele foi criado com o objetivo de manter a ordem social, evitar revoltas, garantir a segurança dos cidadãos e manter o povo obediente ao Estado.

São exemplos de povos de onde se originou nosso direito escrito: Roma, Grécia e Egito. Ocorre que, desde esses sistemas podemos visualizar um pouco da nossa ideia atual de justiça no senso comum, vejamos. No antigo Egito, por exemplo, havia o conhecido Código de Hamurabi, que continha a lei do talião, resumida pelo preceito: “olho por olho, dente por dente”[2]. Esta lei já indicava-nos que a justiça está sim presente lateralmente no direito, ou seja, direito e justiça por vezes andam lado a lado.

Contudo, a justiça não é e nunca foi a finalidade única e principal do direito, isso porque, toda a lei, desde os primórdios, buscava evitar conflitos, roubos, mortes, saques, lesões e mentiras, ainda que houvesse um norma escrita nesse sentido: “se matar alguém, será morto”, a finalidade desta regra sempre foi prevenir o assassinato, manter a ordem, definir que, naquela sociedade ninguém poderá matar ninguém, apenas o Estado, respaldado pelo direito. Veja: a justiça, para o direito, está mais relacionada a resposta do Estado (inclusive por meio de uma coação) para a população daquilo que se considera “justo” para que, ao fim e ao cabo, seja mantida a ordem e a confiança no direito do Estado.

A justiça, assim, mostra-se como um conceito bastante abstrato que, para o direito, envolve identificar o que se considera justo naquela sociedade para então formular leis neste ou naquele sentido, que só depois serão aplicadas pelos operadores do direito, fazendo “justiça”. Dessa forma, não há propriamente um conceito uno de justiça, pois esta definição passa por diversas teorias éticas e morais que tentam conceituá-la. Sendo assim, não se pode tratar o direito como sinônimo de justiça; eles podem ou não estar interligados, dependendo do que entendermos por justiça, conforme já exposto.

Por fim, para a reflexão que aqui pretende-se, não há espaço para maiores discussões no campo da filosofia, da ética e da moral sobre o conceito de justiça, tão controverso, mas que ao mesmo tempo não deixa de ter sua importância. Como último comentário lembro que devemos perseguir a justiça no sentido de possibilitar iguais oportunidades e amenizar as disparidades sociais tão latentes em nosso país, afinal, nada melhor para celebrar a justiça do que buscar realizar alguma parte de tudo o que ela significa.

 

Igor Marcelo Blume

08/12/2020



[1] MACCORMICK, Neil. Instituciones del derecho. Editora: Marcial Pons, Ediciones Jurídicas y Sociales. Madrid – Espanha. 2011.

[2] LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história. Editora: Atlas. São Paulo. 3ª ed. 2011. p. 15.