Os contratos são inerentes à vida de todas as pessoas, em
especial a partir da maioridade, quando passamos a ser capazes de realizar os
atos da vida civil. Os contratos por definição envolvem um deslocamento patrimonial. Significa dizer que eles disciplinam
todas as trocas econômicas desde o mais simples contrato de transporte urbano
(passagem de ônibus) até os contratos complexos de formação de sociedades e
licitações. Dito isso, fica claro que manter a estabilidade do instituto é
primordial, pois ele é o mecanismo por meio do qual a economia se movimenta,
mais especificamente, promove a circulação de riquezas[1].
O problema é que a pandemia do COVID 19 abalou essa
estrutura. Diversos contratos passaram a serem descumpridos, inadimplidos e
desconsiderados no momento em que adotamos a quarentena para conter a
disseminação do vírus. Muitas atividades econômicas tiveram seu nicho limitado
ou até proibido por determinação das autoridades, gerando um inadimplemento
generalizado dos contratos: indústrias pararam sua produção e não puderam
cumprir com suas entregas, lojas minimizaram suas vendas e não puderam arcar
com o valor do aluguel, consumidores reduziram sua renda e não puderam pagar as
parcelas de suas compras. É notável o efeito cascata que essa mudança abrupta
trouxe para o direito contratual, resta buscar alternativas para contorná-la.
Para tanto, na seara contratual, o instrumento mais apto a
esta situação de anormalidade é a revisão
contratual. Em nossa legislação os dispositivos que tratam do tema são
raros, o que denota a intenção do legislador em tratar a revisão contratual como exceção do regime. Cabe a menção aos
artigos 421, 478 e 479 do código civil onde, em situações extraordinárias e imprevisíveis, em que a manutenção do
contrato tornaria excessivamente onerosa
para uma das partes permite-se a resolução
contratual, ou seja, o desfazimento do contrato. Como forma de evitar o
rompimento generalizado dos vínculos, a doutrina enfatiza a possibilidade de renegociação contratual, uma vez que os
contratos oriundos da autonomia dos particulares, devem ser coerentes a ela, no
sentido de recolocar as partes na
situação em que se encontravam antes do fato.
Esta ideia é ainda mais importante se pensarmos no princípio da conservação dos negócios
jurídicos, em que devemos atentar, sempre que possível, à revisão dos
contratos e não à sua resolução[2]. O
que se quer enfatizar aqui é que a imprevisibilidade dos fatos futuros é inerente
a qualquer contrato, nenhum contrato será
blindado às mudanças circunstanciais, e estas mudanças são ainda mais
evidentes quando nos deparamos com um evento biológico como a pandemia.
O fundamento legal que fornece o amparo para tal revisão
está, justamente, na pandemia, a qual, por suas características, pode ser
definida como um caso fortuito ou uma
força maior. A constatação desse fato indica que o contrato não pode ser
executado ou executado apenas parcialmente em virtude de uma força maior, ou
seja, um evento imprevisível e externo causado sem culpa de qualquer
uma das partes. Quando caracterizamos um fato desta forma ele permite que o
vínculo contratual seja desfeito ou modificado sem que haja uma
responsabilização dos contratantes por descumprirem as cláusulas expressas do
contrato. Com isso, ao demonstrar que naquelas circunstâncias não teria condições de cumprir com minhas
obrigações em virtude de um fato externo e imprevisível, abro a
possibilidade de resolução ou revisão contratual.
A pandemia do COVID 19 irá servir como catalisador de
diversas mudanças, muitas já perceptíveis e outras que ainda virão. No âmbito
dos contratos ela mostrou a importância dos institutos da revisão e
renegociação contratual, até então escanteados pela legislação que ficava fixa
em um ideal de imutabilidade destes. Cabe enfim, como forma de suportar os
efeitos da crise nos vínculos negociais, que se intensifique a busca por
alternativas como a renegociação, evitando a já saturada porta do judiciário,
buscando redistribuir os efeitos
econômicos negativos entre os contratantes e, assim, tornar o ambiente
contratual tão seguro quanto possível neste momento delicado.
Um grande abraço a todos e até a próxima!
[1]
GOMES, Orlando. Contratos. Pg. 19. 27ª
edição. Editora Forense. 2019. Consulta em: 09/06/2019.
[2]
GOMES, Orlando. Contratos. Pg. 185. 27ª
edição. Editora Forense. 2019. Consulta em: 09/06/2019.
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