quarta-feira, 10 de junho de 2020

Descumprimento de contratos na pandemia: quais as soluções?

Os contratos são inerentes à vida de todas as pessoas, em especial a partir da maioridade, quando passamos a ser capazes de realizar os atos da vida civil. Os contratos por definição envolvem um deslocamento patrimonial. Significa dizer que eles disciplinam todas as trocas econômicas desde o mais simples contrato de transporte urbano (passagem de ônibus) até os contratos complexos de formação de sociedades e licitações. Dito isso, fica claro que manter a estabilidade do instituto é primordial, pois ele é o mecanismo por meio do qual a economia se movimenta, mais especificamente, promove a circulação de riquezas[1].

O problema é que a pandemia do COVID 19 abalou essa estrutura. Diversos contratos passaram a serem descumpridos, inadimplidos e desconsiderados no momento em que adotamos a quarentena para conter a disseminação do vírus. Muitas atividades econômicas tiveram seu nicho limitado ou até proibido por determinação das autoridades, gerando um inadimplemento generalizado dos contratos: indústrias pararam sua produção e não puderam cumprir com suas entregas, lojas minimizaram suas vendas e não puderam arcar com o valor do aluguel, consumidores reduziram sua renda e não puderam pagar as parcelas de suas compras. É notável o efeito cascata que essa mudança abrupta trouxe para o direito contratual, resta buscar alternativas para contorná-la.

Para tanto, na seara contratual, o instrumento mais apto a esta situação de anormalidade é a revisão contratual. Em nossa legislação os dispositivos que tratam do tema são raros, o que denota a intenção do legislador em tratar a revisão contratual como exceção do regime. Cabe a menção aos artigos 421, 478 e 479 do código civil onde, em situações extraordinárias e imprevisíveis, em que a manutenção do contrato tornaria excessivamente onerosa para uma das partes permite-se a resolução contratual, ou seja, o desfazimento do contrato. Como forma de evitar o rompimento generalizado dos vínculos, a doutrina enfatiza a possibilidade de renegociação contratual, uma vez que os contratos oriundos da autonomia dos particulares, devem ser coerentes a ela, no sentido de recolocar as partes na situação em que se encontravam antes do fato.

Esta ideia é ainda mais importante se pensarmos no princípio da conservação dos negócios jurídicos, em que devemos atentar, sempre que possível, à revisão dos contratos e não à sua resolução[2]. O que se quer enfatizar aqui é que a imprevisibilidade dos fatos futuros é inerente a qualquer contrato, nenhum contrato será blindado às mudanças circunstanciais, e estas mudanças são ainda mais evidentes quando nos deparamos com um evento biológico como a pandemia.

O fundamento legal que fornece o amparo para tal revisão está, justamente, na pandemia, a qual, por suas características, pode ser definida como um caso fortuito ou uma força maior. A constatação desse fato indica que o contrato não pode ser executado ou executado apenas parcialmente em virtude de uma força maior, ou seja, um evento imprevisível e externo causado sem culpa de qualquer uma das partes. Quando caracterizamos um fato desta forma ele permite que o vínculo contratual seja desfeito ou modificado sem que haja uma responsabilização dos contratantes por descumprirem as cláusulas expressas do contrato. Com isso, ao demonstrar que naquelas circunstâncias não teria condições de cumprir com minhas obrigações em virtude de um fato externo e imprevisível, abro a possibilidade de resolução ou revisão contratual.

A pandemia do COVID 19 irá servir como catalisador de diversas mudanças, muitas já perceptíveis e outras que ainda virão. No âmbito dos contratos ela mostrou a importância dos institutos da revisão e renegociação contratual, até então escanteados pela legislação que ficava fixa em um ideal de imutabilidade destes. Cabe enfim, como forma de suportar os efeitos da crise nos vínculos negociais, que se intensifique a busca por alternativas como a renegociação, evitando a já saturada porta do judiciário, buscando redistribuir os efeitos econômicos negativos entre os contratantes e, assim, tornar o ambiente contratual tão seguro quanto possível neste momento delicado.

Um grande abraço a todos e até a próxima!



[1] GOMES, Orlando. Contratos. Pg. 19. 27ª edição. Editora Forense. 2019. Consulta em: 09/06/2019.

[2] GOMES, Orlando. Contratos. Pg. 185. 27ª edição. Editora Forense. 2019. Consulta em: 09/06/2019.


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