quinta-feira, 21 de maio de 2020

Direito à saúde: os limites postos à prova.


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Nenhum sistema de saúde no mundo estava preparado para suportar a pandemia e seus impactos. Estes sistemas são planejados de forma que sejam atendidas as situações dentro da normalidade. O número de hospitais, leitos e UTI’s é calculado, estatisticamente, de acordo com o número de habitantes de determinada localidade e segundo às demandas salutares que historicamente se apresentaram. Este cenário põe em pauta um dos direitos mais fundamentais de nosso ordenamento jurídico: o direito à saúde, tão elementar e amplamente debatido pois lida com a preservação da vida e a manutenção de uma qualidade de vida básica do ser humano.
De acordo com o art. 196 da Constituição Federal, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas, que visem à redução do risco da doença e de outros agravos bem como ao acesso universal e igualitário do serviço de saúde”. Esta premissa esta acompanhada do art. 197 que indica que os serviços, ainda que tenham relevância pública, podem ser realizados tanto pela iniciativa direta da administração pública (ex: SUS) como pela iniciativa privada (ex: planos de saúde privados e atendimento particular). Estes dois dispositivos, em um primeiro momento, evidenciam o caráter prestacional do direito à saúde, dito de outro modo, ele exige do Estado, dentro de seus limites, uma prestação efetiva no sentido de que este não deverá ficar inerte e sim agir, no plano material, buscando atender as demandas salutares da população.
Posto isto, precisamos entender de que forma o governo deve atuar. Para tanto, a Constituição segue, em seu art. 198, definindo um percentual mínimo da receita que cada ente federativo deverá efetivamente destinar à saúde. Temos assim distribuídos os gastos: 1) União ao menos 15% de sua receita líquida; 2) estados 12%; 3) e os municípios 15%. Dentro desta perspectiva generalista, é necessário colocar que a aplicação do total destes recursos não se dá, necessariamente, com a saúde no sistema público (SUS), boa parte destes recursos são destinados a hospitais particulares, unidades de saúde em geral, aplicação em medidas sanitárias, custeio de agentes, etc.
Podemos exemplificar esta perspectiva com alguns dados estatísticos sobre a situação da saúde e a divisão dos recursos a ela inerentes no Brasil: o número de leitos no serviço público e privado é, aproximadamente, o mesmo, no entanto, o número de pacientes que são atendidos e pelos quais o serviço de saúde público é responsável está em torno de 80% da população, e o setor privado 20%, entretanto, o serviço público consome 45% dos gastos com saúde no país e o serviço privado 55%[1]. Estas amostras evidenciam o caráter eminentemente privado do serviço de saúde. Ainda é imprescindível apontar a má distribuição geográfica dos leitos no Brasil: as regiões norte e nordeste tem, proporcionalmente, menos leitos disponíveis em relação as demais regiões[2], estando, por isso, mais vulneráveis em uma situação de pandemia como a atual.
Com relação aos dispositivos legais que disciplinam situações de epidemias, são raros, mas cabe uma pequena menção às atribuições do SUS, no sentido de controlar e fiscalizar os produtos de interesse para a saúde como vacinas, medicamentos e equipamentos hospitalares, destacando-se o papel da ANVISA enquanto ramificação do SUS, da mesma forma, cabe a ele executar a vigilância sanitária e epidemiológica, bem como incrementar o desenvolvimento científico e tecnológico. Além disto, temos as Emendas Constitucionais 51/2006 e 63/2010 que fazem menção a admissão de agentes comunitários no combate a epidemias, definindo piso salarial adequado, autoridade responsável pela contratação e condições de carreira[3].
O direito à saúde sempre se mostrou como um dos direitos mais fundamentais para a proteção da dignidade humana e para sua própria existência. Com os recentes acontecimentos, notamos que o direito à saúde, posto à prova frente a uma crise global sem precedentes no sistema de saúde, se coloca como um direito não apenas individual mas social, visto que um grande número de pessoas terá a mesma pretensão de exigir do Estado o atendimento adequado no tratamento e prevenção da mesma doença. A coletividade deste direito é ainda mais clara, na medida em que garantir o seu alcance e as devidas prestações para todos é essencial para a manutenção da integridade e continuidade da sociedade.
Um fraterno abraço, até a próxima.


[1] Conselho Regional de Medicina do Estado de Sergipe (CREMESE). 2010. Acesso em: 17/05/2000 [online]. Disponível em: http://www.cremese.org.br/.
[2] Relação de leitos por 10.000 habitantes: região norte – 1,23, nordeste – 1,44, sudeste – 2,72, centro-oeste – 2,39 e sul – 2,14. A questão é ainda mais crítica se analisarmos os leitos do SUS por habitantes. Disponível em: http://portal.cfm.org.br/images/PDF/leitosdeutiestados2018.pdf. IBGE, Cadastro Nacional dos estabelecimentos de saúde do Brasil (CNES). Elaboração: conselho federal de medicina. Acesso em: 20/05 [online].
[3] MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 28ª edição. Pg. 861-2. Editora Atlas, 2012. ISBN: 978-85-224-6940-6. Acesso em: 18/05/2020.

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