Nenhum sistema de saúde no mundo estava preparado para
suportar a pandemia e seus impactos. Estes sistemas são planejados de forma que
sejam atendidas as situações dentro da normalidade. O número de hospitais,
leitos e UTI’s é calculado, estatisticamente, de acordo com o número de
habitantes de determinada localidade e segundo às demandas salutares que
historicamente se apresentaram. Este cenário põe em pauta um dos direitos mais
fundamentais de nosso ordenamento jurídico: o direito à saúde, tão elementar e
amplamente debatido pois lida com a preservação da vida e a manutenção de uma
qualidade de vida básica do ser humano.
De acordo com o art. 196 da Constituição Federal, “a saúde é
direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas, que visem à redução do risco da doença e de outros
agravos bem como ao acesso universal e
igualitário do serviço de saúde”. Esta premissa esta acompanhada do art.
197 que indica que os serviços, ainda que tenham relevância pública, podem ser
realizados tanto pela iniciativa direta da administração pública (ex: SUS) como
pela iniciativa privada (ex: planos de saúde privados e atendimento
particular). Estes dois dispositivos, em um primeiro momento, evidenciam o caráter prestacional do direito à saúde,
dito de outro modo, ele exige do Estado, dentro de seus limites, uma prestação
efetiva no sentido de que este não deverá ficar inerte e sim agir, no plano
material, buscando atender as demandas salutares da população.
Posto isto, precisamos entender de que forma o governo deve
atuar. Para tanto, a Constituição segue, em seu art. 198, definindo um percentual mínimo da receita que cada
ente federativo deverá efetivamente destinar à saúde. Temos assim distribuídos
os gastos: 1) União ao menos 15% de sua
receita líquida; 2) estados 12%; 3) e os municípios 15%. Dentro desta
perspectiva generalista, é necessário colocar que a aplicação do total destes
recursos não se dá, necessariamente, com a saúde no sistema público (SUS), boa
parte destes recursos são destinados a hospitais particulares, unidades de
saúde em geral, aplicação em medidas sanitárias, custeio de agentes, etc.
Podemos exemplificar esta perspectiva com alguns dados
estatísticos sobre a situação da saúde e a divisão dos recursos a ela inerentes
no Brasil: o número de leitos no
serviço público e privado é, aproximadamente, o mesmo, no entanto, o número de
pacientes que são atendidos e pelos quais o serviço de saúde público é responsável
está em torno de 80% da população, e o setor privado 20%, entretanto, o serviço público consome 45% dos gastos com
saúde no país e o serviço privado 55%[1].
Estas amostras evidenciam o caráter
eminentemente privado do serviço de saúde. Ainda é imprescindível apontar a
má distribuição geográfica dos leitos no Brasil: as regiões norte e nordeste
tem, proporcionalmente, menos leitos disponíveis em relação as demais regiões[2],
estando, por isso, mais vulneráveis em uma situação de pandemia como a atual.
Com relação aos dispositivos legais que disciplinam
situações de epidemias, são raros, mas cabe uma pequena menção às atribuições
do SUS, no sentido de controlar e fiscalizar os produtos de interesse para a
saúde como vacinas, medicamentos e equipamentos hospitalares, destacando-se o
papel da ANVISA enquanto ramificação do SUS, da mesma forma, cabe a ele
executar a vigilância sanitária e epidemiológica, bem como incrementar o
desenvolvimento científico e tecnológico. Além disto, temos as Emendas Constitucionais
51/2006 e 63/2010 que fazem menção a admissão de agentes comunitários no
combate a epidemias, definindo piso salarial adequado, autoridade responsável
pela contratação e condições de carreira[3].
O direito à saúde sempre se mostrou como um dos direitos
mais fundamentais para a proteção da dignidade humana e para sua própria
existência. Com os recentes acontecimentos, notamos que o direito à saúde,
posto à prova frente a uma crise global sem precedentes no sistema de saúde, se
coloca como um direito não apenas individual mas social, visto que um grande
número de pessoas terá a mesma pretensão de exigir do Estado o atendimento
adequado no tratamento e prevenção da mesma doença. A coletividade deste
direito é ainda mais clara, na medida em que garantir o seu alcance e as
devidas prestações para todos é essencial para a manutenção da integridade e
continuidade da sociedade.
Um fraterno abraço, até a próxima.
[1]
Conselho Regional de Medicina do Estado de Sergipe (CREMESE). 2010. Acesso em:
17/05/2000 [online]. Disponível em: http://www.cremese.org.br/.
[2]
Relação de leitos por 10.000 habitantes: região
norte – 1,23, nordeste – 1,44, sudeste – 2,72, centro-oeste – 2,39 e sul – 2,14.
A questão é ainda mais crítica se analisarmos os leitos do SUS por habitantes.
Disponível em: http://portal.cfm.org.br/images/PDF/leitosdeutiestados2018.pdf.
IBGE, Cadastro Nacional dos estabelecimentos de saúde do Brasil (CNES).
Elaboração: conselho federal de medicina. Acesso em: 20/05 [online].
[3]
MORAES, Alexandre. Direito
Constitucional. 28ª edição. Pg. 861-2. Editora Atlas, 2012. ISBN:
978-85-224-6940-6. Acesso em: 18/05/2020.
Nenhum comentário:
Postar um comentário