quarta-feira, 27 de maio de 2020

Vacinas, medicamentos, EPI’s: propriedade, exclusividade e compulsoriedade.

Todas as crises, sejam econômicas, sociais, políticas ou salutares, por definição, abalam as estruturas organizacionais em geral. Aqui não me refiro somente ao Estado ou serviço público, mas também às relações familiares, empresariais, trabalhistas e, mais intrinsecamente, abala a todos nós individualmente. Contudo, toda a crise é passageira, nos adaptamos por natureza a essas situações a fim de buscar uma solução o mais breve possível. E, desse modo percebe-se que a crise do COVID19 não é diferente, nos resta refletir aqui: como solucioná-la?

As respostas são diversas, mas um ponto é unânime: a descoberta de uma vacina ou medicamento para o vírus, por óbvio, resolve boa parte dos problemas. Esta medida, como amplamente noticiado, está sendo desenvolvida por todo o mundo, ou seja, uma verdadeira corrida científica voltada a proporcionar essa segurança que nos é tão cara neste momento. Ademais, as pesquisas laboratoriais envolvem um grande dispêndio de recursos, humanos e financeiros, investimentos públicos e privados, além de diversos fatores relacionados ao longo processo de desenvolvimento.

Todo este trâmite está sob a tutela do direito. A produção de vacinas, medicamentos, equipamentos de proteção individual, respiradores e outras invenções utilizadas no combate ao COVID19 se enquadram como propriedade intelectual, passíveis de um registro, uma patente. No direito brasileiro, a propriedade intelectual encontra respaldo nos incisos XXVII à XXIX da Constituição Federal, assegura-se ao autor o direito de utilização, reprodução e publicação de suas obras. Aos autores de inventos industriais será resguardado o direito temporário de utilização e de proteção a suas criações, tendo em vista o interesse social e desenvolvimento econômico do país.

A importância do sistema de patentes está, especificamente, na proteção do direito do autor/inventor sobre sua obra, é um mecanismo em que o Estado fornece uma exclusividade legal de uso da tecnologia ou produto, impedindo que ela seja copiada e revendida aquém dos interesses de seu inventor. O benefício do Estado em tutelar esta relação está, justamente, em proteger o investimento implementado no desenvolvimento do invento, bem como incentivar a continuidade do progresso científico[1], afinal, quem irá se interessar em produzir inovações e pesquisas voltadas a soluções de problemas sem a garantia de sua proteção?

Em contrapartida, não poderíamos imaginar a situação em que uma vacina é desenvolvida e não estará disponível para a população em geral, isto por que o propósito desta é imunizar o maior número de pessoas, prevenindo ou amenizando os sintomas da doença. Assim sendo, o direito também proporciona mecanismos que resguardem o interesse público, especialmente importante em crises como esta. O principal instituto previsto pela Lei de Propriedade Industrial é a licença compulsória[2], utilizada quando o produtor, motivado pela imensa procura, poderá cobrar preços exorbitantes e, certamente, não suportará a demanda sobre seu produto. Este instrumento consiste, em linhas gerais, em uma limitação do direito do inventor, não é propriamente uma quebra de patente, pois o autor se mantém como titular, mas tem, excepcionalmente, seus direitos restringidos em virtude de uma situação externa e constado o interesse público ou uma emergência nacional[3]. É ainda importante mencionar que o inventor não perderia a pretensão de exigir a remuneração adequada referente ao uso temporário de seu invento, justo por que é evidente o esforço dispensado no desenvolvimento do produto.

Por fim, posta a situação de crise, é notório que a produção de vacinas, medicamentos e produtos utilizados no combate ao COVID19 são de suma importância para o interesse geral da população, mas não menos relevante é a valorização do autor/inventor pelo trabalho desenvolvido. Cabe portanto, ponderar os direitos e interesses envolvidos, sem privilegiar demasiadamente uma parte e onerar a outra, conciliando o direito humano à saúde com o incentivo à pesquisa e à inovação. Todo este processo de escala mundial, com o empenho na elaboração destes produtos envolve uma necessária cooperação internacional, tendo como finalidade superar este momento adverso e retornar, mais maduros, para a normalidade.

Um grande abraço a todos.

Igor Marcelo Blume

 

 

 

 



[1] BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Pg. 544. 2ª edição. Editora: Lumen Juris. 2010.

[2] BARBOSA, Denis Borges. Uma introdução à propriedade intelectual. Pg. 460. 2ª edição. Editora: Lumen Juris. 2010.

[3] Art. 71 da Lei de Propriedade Industrial.


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